Psicanálise e Psicologia: Diferenças que só se descobrem na Formação (Do Analista)

Barbara Solon
4 min readJan 21, 2024

--

A formação acadêmica é distinta da formação do Psicanalista. No entanto, pelo menos aqui no Brasil, a maior parte dos Psicanalistas possui algum tipo de graduação, as mais comuns são em Medicina e em Psicologia. Quando se trilha este percurso acadêmico a probabilidade de confusão sobre o método psicanalítico é grande, principalmente para àqueles que conhecem a Psicanálise através da Universidade.

Nos corredores do curso de Psicologia (minha graduação) eu posso dizer que a confusão entre Psicologia e Psicanálise é muito comum. Adianto que isso é apenas um comentário, longe de mim advogar contra a transmissão psicanalítica nas Universidades! Na verdade, acredito que esse movimento é importante, principalmente, porque a transmissão na Universidade nunca impediu àqueles que foram convocados pelo desejo, de buscarem o tripé nas Escolas de Psicanálise.

Retornando a confusão que eu estava falando, a principal delas é de que a Psicanálise seria uma uma ‘’ abordagem’’ da Psicologia, o que traz como modalidade de atendimento uma ‘’ Psicologia de orientação psicanalítica’’. Alguns profissionais do setting clínico se nomeiam assim quando não fizeram suas análises, ou por acreditarem de fato que há uma Psicologia com olhar Psicanalítico. E olha, Freud nos disse lá 1932 que a Psicanálise não é visão de mundo para nada. Então , vou logo falar os porquês da Psicologia e Psicanálise serem saberes inconciliáveis (não significa que não haja diálogo, ok?)

A primeira diferença é que o sujeito da Psicologia não é o mesmo da Psicanálise, enquanto na Psicologia o sujeito é o indivíduo da consciência, a pessoa que possui um corpo biológico e psíquico, um ser biopsicossocial e espiritual. Na Psicanálise o sujeito é o sujeito da falta, divido entre consciente e inconsciente, atravessado por uma estrutura discursiva.

Essa primeira diferença nos leva a segunda: Se o conceito de sujeito é distinto entre Psicologia e Psicanálise, o objeto de estudo também vai ser. O que seria o objeto de estudo desses saberes,então? Na Psicologia se estuda as funções mentais e o comportamento humano, o inconsciente da Psicologia, não é o inconsciente Freudiano, e sim uma mera alteração cognitiva ou algo latente e não constituinte do aparelho psíquico. Já na Psicanálise o objeto de estudo é o sujeito do inconsciente.

Sendo assim, como se dá o diagnóstico e consequentemente a direção do tratamento? Bem na Psicologia o diagnóstico é fenomenológico e pode ter (ou não) como referencial os manuais diagnósticos DSMV-TR e CID-11. Na Psicanálise o diagnóstico é estrutural, leva-se em consideração a posição do sujeito diante da castração e como este situa o Nome-do-Pai, as estruturas clínicas são as Neuroses, Psicoses e Perversões ( Alguns Psicanalistas trazem os Autismos como quarta estrutura, mas não é consenso).

No que diz respeito a direção do tratamento, a Psicologia vai trabalhar com a psicoterapia, que tem como objetivo promover maior qualidade de vida por meio do cuidado aos aspectos emocionais envolvidos neste processo. Na Psicanálise a direção do tratamento é a travessia da fantasia fundamental e o ''uso'' da angústia como parte essencial do tratamento, visto que o objetivo não é de apaziguar os sintomas, mas de que o sujeito produza uma verdade sobre este.

O primeiro contato como o ‘’paciente’’ também é diferente , pois enquanto o Psicólogo pode se utilizar de técnicas como Anamnese e Entrevista Psicológica, com o objetivo de conhecer o histórico do paciente e sua demanda, o Psicanalista vai realizar as entrevistas preliminares, que não são a análise , mas fazem parte da análise, com o propósito de estabelecer uma hipótese de diagnóstico estrutural e de verificar se há possibilidade do sujeito se interrogar sobre o seu sintoma.

E por fim, o tempo. Enquanto a Psicologia trabalha com o tempo cronológico, que é o tempo do relógio. O Psicanalista escuta o tempo do inconsciente (tempo lógico em Lacan) e essa relação com o tempo diz respeito também a relação do analista com a sua análise pessoal, o que nos leva a principal diferença que é a formação.

Alertei no início deste texto que haviam diferenças na formação, mas não disse exatamente o que era essa formação. Pois bem, enquanto o Psicólogo precisa de uma Graduação em Psicologia e um CRP Ativo. O Psicanalista se forma pelo tripé: análise pessoal, supervisão e teoria.

Não gosto de jogar a frase de que a formação do analista se faz no tripé, sem problematizar o fato de que estar no tripé não GARANTE um analista. Como assim? Bem, há quem faça o tripé desinvestido simbolicamente dele, se aplica o dinheiro, paga a escola, vai a análise e lê-se um livro, mas não se está ali, o que temos é um sujeito à serviço de um eu ideal, faz o tripé para dizer-se analista, o paga com dinheiro e nada mais.

O Analista apenas se forma no tripé, a partir dos efeitos deste, que faz surgir um desejo, o Desejo do Analista, que nada tem a ver com suas ambições pessoais, mas com o desejo de escuta do insconsciente de maneira singular. Por isso que o tripé é essencial, tem rigor , mas não é balizado pelo imperativo, pela regra, pelo ideal. TEM QUE FAZER EM ESCOLA TAL, TEM QUE FAZER O TRIPÉ TODO AO MESMO TEMPO. Vocês vão ouvir muito isso por aí. Um conselho? Façam suas objeções sem medo (ou com medo também).

Porque o percurso do analista é solitário , você outro analista não compreenderia, sabe? E Lacan já tinha nos alertado sobre os problemas da compreensão, melhor que nem a tenha entre pares mesmo (isso não significa que estar entre pares não seja importante ). A Psicanálise, ou melhor, o sujeito é de outra ordem, é estrangeiro a si, como serviria a ser efeito de uma abordagem psicológica? Se sua condição neste saber nem existe?

Não vou citar as demais diferenças, essas são oriundas dos restos. E cada um acaba descobrindo os seus…

--

--